quinta-feira, fevereiro 23

Fez notícia há vinte e cinco anos atrás



José Afonso desapareceu, prematuramente, num dia como o de hoje há vinte e cinco anos. Foi um dos poucos cantores que sempre associei ao meu pai. Se tocava ele fazia questão de o sublinhar. Certa noite não houve outro programa de televisão que servisse de álibi para que o meu pai deixasse que o burgo lá de casa trocasse o concerto de Zeca que iria dar no Coliseu. Já na altura se sabia que este se encontrava doente e esse seria provavelmente o seu último, e creio que assim foi.
Como todos os grandes deu-lhe para falecer muito antes do tempo mas ao contrário de Pessoa que deixou um espólio muito maior do que o público conhecia, de Zeca não sobrou nada mais do que o silêncio ao ouvi-lo nas trovas conhecidas, do uníssono fielmente entoado quando as pessoas saem à rua neste tempos de despropósito democrático e de reconhecermos nele um dos estandartes de uma parte recente da história nacional que se fez de Homens com valores maiores do que a própria vida. Que a memória não morra. Relembro uma história já aqui postada.

José Afonso era um professor que se apresentava sempre com grande simplicidade, não usava fato e gravata, e granjeou a simpatia de muitos alunos, antes de ser expulso do antigo Liceu de Setúbal, em 1968.
A descrição é da advogada Alice Brito, uma antiga aluna de José Afonso, o poeta e cantor de Grândola Vila Morena, canção que, anos mais tarde, viria a ser utilizada pelos militares como senha da Revolução de Abril de 1974. "O José Afonso era um professor de História que contava muitas histórias. Lembro-me da análise que ele fazia dos manuais de História da época, que eram coisas intragáveis".
"Dizia-nos que se alguém gostasse daqueles manuais, provavelmente também gostava de palha", acrescentou, reconhecendo que o facto de ter sido aluna do "Zeca", acabou por marcar o seu percurso de vida. A antiga aluna de José Afonso recorda que, a dada altura, se soube entre as alunas - havia turmas separadas de rapazes e de raparigas - que aquele professor cantava, era cantor e que até tinha discos gravados. "Aquela ambiência quase mágica que as aulas já tinham foi ainda reforçada, porque ter um disco hoje não tem o impacto que tinha na altura", disse Alice Brito, recordando que também chegou a andar com um livro do José Afonso escondido, por dentro da bata, porque não podia ser mostrado no liceu. Além da História que fazia parte do programa curricular, José Afonso contava outras histórias nas salas de aula, algumas das quais ainda hoje permanecem na memória dos alunos, como foi o caso de um estranho encontro de Zeca Afonso com um pescador num imenso areal.
"Distraído, como sempre, José Afonso foi embater num pescador, que estava no areal remendar as redes", contou Alice Brito, adiantando que nunca mais se esqueceu da resposta dada pelo pescador: "e o mar é tão grande". Alice Brito, que define José Afonso como "um poeta inato, em que a poesia ia desde o motivo escolhido para a história até à forma como a apresentava, garantiu que na altura já se sentia que aquele professor não gostava do antigo regime e que foi por isso que o expulsaram do ensino oficial. "Ainda hoje não sei como é que foi feita a denúncia e como surgiu o problema, mas lembro-me que houve uma revolta sincera, sentida e dorida, de muitos alunos". "Claro que na altura as revoltas eram muito contidas, entre criaturas muito jovens, ainda adolescentes. Mas lembro-me dos cochichos, de se falar disto no recreio e mesmo fora do liceu". Olhando o passado, Alice Brito, garantiu à Lusa que tem "muito orgulho por ter sido aluna de José Afonso". In Expresso

Sem comentários: