terça-feira, abril 24

Porque o amanhã deu que falar

Roupas lúgubres, feições não alegres, os dias a passarem a um compasso mais lento sobre um ríspido olhar azul, na ordem negra e branca das conversas televisionadas, das notícias desconfiadas do que se passava além-mar, e não só, e que não se esqueciam ou perdiam mesmo com pobreza dos espíritos, dos regentes, da vida, dos costumes de então.
Não vivi esses tempos, nem sou um produto ou consequência da mudança para a democracia que a espada e a parede fizeram brotar. Sou talvez um filho de um estado mais livre, mais democrático, não de acordo com a esperança das pessoas que a abraçaram como o bote numa jangada sem rumo ou rubor dos tempos de então, tão democrático quanto caquético e pressinto cada vez mais finado, à imagem de um estado de Weimar onde a res pública impera sem dignos, e com consciência pesada o afirmo, res publicanos.
Passadas quase quatro décadas a vida estará melhor certamente mas não é pelo re-olhar a uma época de transversal pobreza que se afere a evolução de um povo. Afere-se pela grandeza genuína que reconhecemos nos outros e pela vontade ímpar de cultivar esses valores, jamais pela cópia, mas sim pelo caminhar de um caminho próprio de horizontes bem determinados, honestos, convictos, universais não em peregrinação como é este que se surge escuro, enfadonho, triste, sujo nas solas dos nossos sapatos.
Amanhã, vinte e cinco de Abril, será dia de comemoração geral sem que a razão impere. Não impera porque a realidade é nova e no entanto as preocupações encontram relação com as de então. Comemora-se um estado democrático que se perde, tal como a vida, a cada segundo que passa, a cada peito cheio de ar, em cada deliberação de norma fundamental revogada em virtude de necessidades transitórias, adaptações ou intensas variações.
Neste ano, tal como nos anteriores, encontro apenas reconforto na pessoa de Salgueiro Maia, da música de Paulo de Carvalho (bem sei que já escreveu outras mas... o "quis saber quem sou" é-me pungente) e em todos os que, bons ou maus, aqui ou além-mar, de armas ou pelas palavras, lutaram para que eu esteja aqui a escrever estas palavras num recôndito lugar em Portugal na completa discricionaridade que a minha educação, formação e moral me concedem.

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