quinta-feira, outubro 13

Uma cegueira que se aproxima


Ressalta o corpo entre o estupor e o torpor das palavras do primeiro-ministro. Acabo de saber que vou ganhar menos 15% para o ano do que iria ganhar numa condição normal. Daqui não escreve alguém que se tem sentido particularmente favorecido ao longo do seu trajecto laboral. Estudei para isso, tenho dado o corpo ao manifesto trabalhando alegremente mais, muito mais vezes longe do que perto de casa e da família, com custos efectivos para todos. Sou daqueles palermas que tem ética de trabalho. Tenho uma falta justificada no meu trajecto laboral, que tem no registo três ou quatro faltas devidas a greves realizadas, nomeadamente, a partir do anterior Governo PS ao longo dos mais de nove anos de profissão. Já fiz greve à japonesa, leccionando as aulas mas não assinando o livro de ponto, não prejudicando os alunos. Tenho o brio profissional como uma questão de honra a pontos de ver o meu horário contemplado com dez horas de trabalho suplementar, entenda-se para além das aulas propriamente ditas, sendo as mesmas cumpridas muito para além do que seria suposto.
São incontáveis os fins-de-semana que passei ao longo dos anos a trabalhar no sentido de que nem o homem do algodão encontre sequer um vislumbre ténue de laxismo. Aos trinta e três anos a minha vida resume-se a duas companhias: o portátil com uma internet que deveria ser exemplar, como aquilo que eu dou ao país e bem que me custa pagá-la, e um carro que acabou por ser a minha única despesa, se bem que
controlada, excessiva. Com a minha idade o meu pai já tinha a vida orientada, casado, com os dois filhos. O filho, mesmo se quisesse, não o poderia fazer. Não passo a vida em cafés e tento fazer uma vida regrada sob todos os pontos de vista, inclusive o financeiro. E depois o dia acontece e a conta é de novo a subtrair. O mais provável é que para o próximo ano seja obrigado, para além dos mais de 25% do ordenado que pago mensalmente de contribuições, a pagar IRS devido a todos os cortes que estão a ser feitos. O meu país é assim, eu que não dou chatices, não tenho maleitas, que não encareço o sistema sou contemplado, por isso mesmo, por não ter despesas, a pagar mais impostos.
Ouço neste momento os palermas da ordem nos canais de informação, supra sumos da economia, a disparatar dislates sobre a situação teorizando em todas as direcções e acenando a tudo e mais alguma coisa, mas não sobre a urgência de um clister não suas inócuas cabeças. Basta, caralho, basta!
Por isso e por tudo o que ficou por dizer, basta. Quero ver as pessoas responsáveis a responder judicialmente por isto tudo. Quero ver governantes, secretários de estado, ministros e demais escumalha ser alvo de um escrutínio judicial sério com uma sonda rectal que começa numa ponta e acabe na génese destes problemas. Quero ver a resolução incondicional, assente num país com soberania sobejante para as empresas e os seus empresários sanguessugas, dos negócios assentes em parcerias público privadas, essas que conduzem de modo acelerado o país para o abismo.
Daqui escreve alguém que não pode fugir aos impostos. Daqui escreve alguém que nunca nos nove anos como profissional recebeu um aumento sequer em função da sua prestação. Daqui escreve alguém a quem o sistema nunca teve de pedir nada para que o mesmo fizesse tudo o que era preciso e, por vezes, até mais. Daqui escreve alguém para quem a perspectiva de futuro se enquadra no que vive agora e que a outra alternativa será o desemprego. Basta. Exijo respeito.

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