quinta-feira, março 10

Ouvindo com atenção


Ontem foi a tomada de posse de Aníbal Cavaco Silva o que é o mesmo que dizer Cavaco versão 2.0 ou upgrade da versão obsoleta. Apanhou-me o início da festa ainda em casa mas o discurso trouxe-o comigo durante a viagem, para ajudar ou atrapalhar a digestão do peixinho do almoço. E depois vieram as considerações dos convivas que, consoante a cor ou a simpatia pelo recauchutado presidente, foram cegamente abonatórias ou tresloucadamente terríveis. Não vou pegar nelas a não ser que as palavras ganhem forma própria sem o meu consentimento. Sejamos pragmáticos, o que Cavaco Silva disse foge da realidade? Não, por muito que isso seja duro de ouvir. Pior seria se fossemos libaneses. Fez uma análise completa? Pooois… aqui é que a burra se montou. Foi um diagnóstico exaustivo, de quem parecia andar a ressacar de não dar aulas, mas este pecou por não ser completo. Fez bem em fazer a análise da última década, na qual persiste a sua quota de responsabilidade não governativa mas cooperativa, mas faltou indicar que, apesar dos pesares, Portugal estava deitado na praia confortável com o seu crescimento vagaroso, com a população no enésimo “apertar de cinto”, quando alguém decidiu rebentar um dique lá longe e de descanso ao sol passamos a ter a água pelo pescoço.
Teria igualmente sido mais honesto não esquecer o tempo em que o mesmo foi primeiro-ministro e a despesa disparou para níveis que hoje estão a tentar corrigir-se. Quem veio a seguir também não fechou a porta, é verdade mas a sua assinatura está lá. Chegamos ao ponto de sempre, a culpa morrerá solteira porque os pais da criança são tantos que não existe modo científico, e fidedigno, de encontrar quem se responsabilize por ela. Não há modo científico nem vontade diga-se. E agora? Bem é olhar em frente e tratar de, como povo, não refazer os mesmos erros de sempre. Pooois… e é aqui que Cavaco Silva decide incitar a juventude a sair à rua e como se isso não fosse preocupante, fez esse incitamento a três dias de uma manifestação que, na sua génese me é querida mas que já se encontra cheia de vectores perniciosos, leia-se, partidos e coisas afins. Estava decidido a ir, já não vou. Perguntava-me, após este seu dislate: quais são as motivações que o levam a fazer tamanho apelo. Só me ocorrem dois, um honesto e outro nem tanto. O bom, prende-se com o mais que patente afastamento dos jovens da política. Assim Cavaco Silva pede aos jovens, a nós, que desçamos do burro e subamos ao cavalo político no sentido de amansar este bicho nobre mas que anda com maus modos. Era o bom, não acredito.
Para mim, e como sou pessimista, o mau é o real, Cavaco Silva quer fazer dos jovens o corte da ponte 25 de Abril que o deitou abaixo do tal cavalo. Ele não irá dissolver a Assembleia da República sem álibi mas, como o deseja, que melhor do que não o fazer, fazendo-o num drama entre a espada e a parede. Sócrates merece-o? Não merecia sequer ter ganho as eleições, mas não merecia ele nem ninguém – a “belgificação” de Portugal. A Bélgica detém o recorde do país com mais tempo sem governo, a revolução da “batata frita” e andam todos contentes, enquanto a riqueza permitir… E nós? A manifestação de sábado poderá significar muito ou mais do mesmo. Seria útil que o Governo caísse agora? Só o Deus de alguém é que sabe. Não estamos à beira do abismo, isso era bom, quereria dizer que tínhamos saída, para trás. Surge-me mais a ideia de estarmos ilha onde a maré sobe e esta encolhe, encolhe, encolhe e o chão vai desaparecendo. Saída? Sim mas sem saber nadar ou voar, sem grande vontade para aprender e sem ninguém para ensinar mais, tudo se torna mais complicado. Qual será a melhor opção? Sinceramente não sei mas que isto vai ficar para a história, vai e nós estamos cá para ver, de camarote.

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