quarta-feira, outubro 31

Deixem estar o porquinho


Pede-se insistentemente e cada vez mais que os portugueses poupem. De onde vem esta onda gastadora? Bom, durante anos e anos, este foi um país privado de muitas coisas, não só de luxo ou de capricho, mas sim de influência básica. Com o 25 de Abril as coisas rumaram noutro sentido apesar de ter havido anos bem complicados nos anos subsequentes. Os anos oitenta trouxeram um crescimento apreciável dos salários e muitas pessoas compraram o primeiro automóvel, as férias na praia tornaram-se possíveis, nuns casos, e regra, noutros. Podia passar aqui muito tempo a fazer comparações e só se concluiria o que já disse: As pessoas tornaram-se gastadoras por que viveram anos e anos com salários baixos e, com a chegada dos aumentos, as pessoas acabaram por optar por uns mimos mais que merecidos.
Passou-se então de uma altura em que o pouco era regra e a poupança, mesmo que pouca, era um hábito para uma situação de vida mais folgada onde as vontades se tornaram reais. Que temos hoje? Primeiro temos uma debandada dos jovens. Eu próprio, fazendo um exercício, constatei aqui que são muitas as pessoas com que me relaciono que optaram por ir para fora porque aqui não dá. Por outro lado temos uma geração instruída que, pagando pelos erros dos mais velhos (e que em certa medida acabou também por nos beneficiar), acaba por ver a sua situação complicada apesar de ter estudado e de esperar algo melhor. Os laços perdem-se nos quilómetros feitos, nas trocas sucessivas de local de trabalho, na instabilidade profissional o que leva a que o curso normal de uma vida se torne impossível de realizar a dois quer fora da alçada paterna.
Que opções existem? A primeira é arriscar a vida a dois o que leva a uma sucessão e acréscimo de problemas sob a forma de facturas, prazos e necessidades que urge dar resposta. Aqui largam-se sonhos, carreiras em prol de valores adoptados em comum e que no extremo, quebra o que parecia inquebrável. A segunda é fazer as contas e ver que não dá (sou adepto, por muito que me custe, desta). Não dá por muita matemática que a minha santa instrução me tenha dado a conhecer ao longo do meu trajecto escolar e universitário. As contas não saem e assim sendo eu também não saio.
Isto tudo a propósito de quê? 118%. Este é outro número que os portugueses, ignorantes em matemática e vencidos por rankings enganosos, têm que apontar. 118% é o valor do sobreendividamento daquelas famílias portuguesas que arriscaram ou que não fizeram as contas. Pedem para que as pessoas poupem é certo mas isso torna-se algo complicado quando temos a quinta taxa mais alta de desemprego a 27 sendo que a mesma é enfeitada com bastantes licenciados (pessoas que sabem fazer as tais contas). É complicado quando o exemplo não vem de cima: reformas chorudas, carros de alta cilindrada (que se lixe Quioto), corrupção a torto e a direito etc etc. É complicado quando a pobreza atinge três milhões de portugueses, valor esse que subiria para quatro milhões se não houvessem rendimentos mínimos atribuídos. Assim sendo que até quereria poupar não pode. Já é uma sorte ganhar dinheiro de modo a poder pagar as contas. Pagar contas torna-se um luxo num país em que existem mais pessoas do que se pensa a pagarem para trabalhar. A taxa de poupança atingiu o valor mais baixos dos últimos quarenta anos.
Digam-me, olhando de fora, que se poderia dizer de este país no Dia Mundial da Poupança?

PS: E os bancos continuam a aliciar as pessoas via telefone propondo endividamentos sendo que o Governo não faz nada.
PS1: Se o Governo quer combater o suicídio nas polícias que se deixe de tretas: pague salários decentes, normalize os turnos, equipe as polícias, não aceite qualquer triste que se candidate para as forças. Depois coloque os psicólogos e faça a propaganda que quiser.

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