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sábado, novembro 30

Poesia . 24























Viver sempre também cansa!
O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.
O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.
As paisagens também não se transformam.
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.
Tudo é igual, mecânico e exacto.
Ainda por cima os homens são os homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.
E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de corrida...
E obrigam-me a viver até à Morte!
Pois não era mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois, achando tudo mais novo?
Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,
morrer em cima dum divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.
Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com teu sorriso
onde arde um coração em melodia:
"Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela."
E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...
.
by José Gomes Ferreira

quinta-feira, junho 13

125 anos Pessoa - maior poeta português, na minha opinião

 
 
Da minha aldeia veio quanto da terra se pode ver no Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não, do tamanho da minha altura...
Nas cidades a vida é mais pequena
Que aqui na minha casa no cimo deste outeiro.

Na cidade as grandes casas fecham a vista à chave,
Escondem o horizonte, empurram o nosso olhar para longe de todo o céu,
Tornam-nos pequenos porque nos tiram o que os nossos olhos nos podem dar,
E tornam-nos pobres porque a nossa única riqueza é ver. 
 
Pessoa para sempre

quinta-feira, maio 23

quarta-feira, abril 18

Bateram, fui abrir... belissímo



Poema de Afonso Lopes Vieira

segunda-feira, setembro 12

O caminho faz-se caminhando



Para além da curva da estrada
Talvez haja um poço e talvez um castelo,
E talvez apenas a continuação da estrada.
Não sei nem pergunto.
Enquanto vou na estrada antes da curva
Só olho para a estrada antes da curva,
Porque não posso ver senão a estrada antes da curva.
De nada me serviria estar olhando para outro lado
E para aquilo que não vejo.
Importemo-nos apenas com o lugar onde estamos.
Há beleza bastante em estar aqui e não noutra parte qualquer.
Se há alguém para além da curva da estrada,
Esses que se preocupem com o que há para além da curva da estrada.
Essa é que é a estrada para eles.
Se nós tivermos que chegar lá, quando lá chegarmos saberemos.
Por ora só sabemos que lá não estamos.
Aqui há só a estrada antes da curva, e antes da curva
Há a estrada sem curva nenhuma.

.
É de Alberto Caeiro mas veio embrulhado by Fujiko

sexta-feira, março 11

E fez-se "clique"



Depois de encontrar este cartoon no magnífico Inimigo Público, não resisti. Junto aqui a letra de uma música que muito aprecio (daquelas de cantar a pleno pulmão) e que se apropria. Dedico-a a todos os bravos que amanhã não se irão calar, mais uma vez.

Mares convulsos, ressacas estranhas
Cruzam-te a alma de verde escuro
As ondas que te empurram
Aa vagas que te esmagam
Contra tudo lutas
Contra tudo falhas

Todas as tuas explosões
Redundam em silêncio
Nada me diz

Berras às bestas
Que te sufocam
Em braços viscosos
Cheios de pavor
Esse frio surdo
O frio que te envolve
Nasce na fonte
Na fonte da dor

Remar remar
Força a corrente
Ao mar, ao mar
Que mata a gente

terça-feira, janeiro 18

Poesia . 23




Tenho sonhos cruéis; n'alma doente
Sinto um vago receio prematuro.
Vou a medo na aresta do futuro,
Embebido em saudades do presente...

Saudades desta dor que em vão procuro
Do peito afugentar bem rudemente,
Devendo, ao desmaiar sobre o poente,
Cobrir-me o coração dum véu escuro!...

Porque a dor, esta falta d'harmonia,
Toda a luz desgrenhada que alumia
As almas doidamente, o céu d'agora,

Sem ela o coração é quase nada:
Um sol onde expirasse a madrugada,
Porque é só madrugada quando chora.


Camilo Pessanha

quarta-feira, outubro 27

Poesia . 22



Surge Janeiro frio e pardacento,
Descem da serra os lobos ao povoado;
Assentam-se os fantoches em São Bento
E o Decreto da fome é publicado.

Edita-se a novela do Orçamento;
Cresce a miséria ao povo amordaçado;
Mas os biltres do novo parlamento
Usufruem seis contos de ordenado.

E enquanto à fome o povo se estiola,
Certo santo pupilo de Loyola,
Mistura de judeu e de vilão,

Também faz o pequeno "sacrifício"
De trinta contos - só! - por seu ofício
Receber, a bem dele... e da nação.

José Régio

segunda-feira, setembro 6

Poesia . 21




Fui rocha em tempo, e fui no mundo antigo
tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...

Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
O, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paúl, glauco pascigo...

Hoje sou homem, e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, da imensidade...

Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.


Antero de Quental


Post scriptum: aconselho "causa da decadência dos povos peninsulares nos últimos três séculos". Tratarei de colocar excertos estranhamente actuais.

quarta-feira, maio 12

Poema . 20


Amar o perdido
deixa confundido
este coração.


Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.

Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.

Carlos Drummond de Andrade

sexta-feira, fevereiro 26

Poesia . 19


Em jeito de retorno aos bons e velhos hábitos...

Durmo ou não durmo? Passam juntas em minha alma.

Durmo ou não? Passam juntas em minha alma
Coisas da alma e da vida em confusão,
Nesta mistura atribulada e calma
Em que não sei se durmo ou não.

Sou dois seres e duas consciências
Como dois homens indo braço-dado.
Sonolento revolvo omnisciências,
Turbulentamente estagnado.

Mas, lento, vago, emerjo de meu dois.
Disperto. Enfim: sou um, na realidade.
Espreguiço-me. Estou bem... Porquê depois,
De quê, esta vaga saudade?

sexta-feira, outubro 17

Hoje só me apetece dizer isto...


.
"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio,
fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora,
aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias,
sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice,
pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas;
.
Um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem,
nem onde está, nem para onde vai;
um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom,
e guarda ainda na noite da sua inconsciência
como que um lampejo misterioso da alma nacional,
reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.
.
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula,
não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha,
sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima,
descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas,
capazes de toda a veniaga e toda a infâmia,
da mentira a falsificação, da violência ao roubo,
donde provem que na política portuguesa sucedam,
entre a indiferença geral, escândalos monstruosos,
absolutamente inverosímeis no Limoeiro.
.
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo;
este criado de quarto do moderador;
e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País.
A justiça ao arbítrio da Política,
torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
.
Dois partidos sem ideias, sem planos, sem convicções,
incapazes, vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido,
análogos nas palavras, idênticos nos actos,
iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero,
e não se malgando e fundindo, apesar disso,
pela razão que alguém deu no parlamento,
de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar."
.
Guerra Junqueiro . Pátria

quarta-feira, maio 7

Poesia . 18


.
Manhã Cinzenta
Faz me chorar
A chuva lembra
O teu olhar

As folhas mortas
Caem no chão
A dor aperta
O coração

Quanto eu não daria
Para poder voltar atrás
Volta pra meu peito
Daqui não saias mais

Perdi me amor
Pra te encontrar
Na solidão
Do teu olhar

No teu olhar
Se perde o meu
Também o mar
Se perde no céu

Quanto eu não daria
Para poder voltar atrás
Volta pro meu peito
Daqui não saias mais

Rodrigo Leão - Voltar

sexta-feira, março 21

Poesia . 17



Porque a vida é como um oscilador harmónico, vamos recolocar o perpétuo na crista da onda. Hoje é o dia Mundial da Poesia e dizer isso é dizer pouco. Bom mesmo é parar para se deixar levar pela onda de uma qualquer poesia perto de si sem olhar a nomes, a prefácios ou a vendas. Poeta é todo aquele que consegue, recombinando letras, criar frases que consigam retratar, deixando a nossa respiração em suspenso, sentimentos, vivências, momentos ou instante marcantes da viagem. Hoje é dia deles e, por sorte, é nosso dia também. Deixo um que não me é anónimo.

Divagando

Uma a uma, as onda vão rolando,
rugidoras, soberbas e alterosas.
Das cristas, branca espuma vai chispando,
que o sol faceta em vibrações radiosas.

Mas à medida que elas vão chegando
à vastidão das praias arenosas,
uma a uma se vão esfrangalhando,
como farrapos de canções saudosas.

Também as ilusões da mocidade,
vão rolando em liberdade,
carregadas de luz e branca espuma.

Chega a velhice. E as ilusões, coitadas!
Vão, como as ondas, morrer esfarrapadas,
neste sinistro areal, uma a uma!

Nuno Gonçalo . Noites de Solidão

quarta-feira, dezembro 5

Poesia . 15



Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.
Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.


Sophia de Mello Breyner Andersen

terça-feira, novembro 13

Poesia . 14


Porto Sentido

Quem vem e atravessa o rio
junto à serra do Pilar
vê um velho casario
que se estende até ao mar_

Quem te vê ao vir da ponte
és cascata, sanjoanina
erigida sobre um monte
no meio da neblina.

Por ruelas e calçadas
da Ribeira até à Foz
por pedras sujas e gastas
e lampiões tristes e sós.

E esse teu ar grave e sério
dum rosto e cantaria
que nos oculta o mistério
dessa luz bela e sombria

Ver-te assim abandonada
nesse timbre pardacento
nesse teu jeito fechado
de quem mói um sentimento

E é sempre a primeira vez
em cada regresso a casa
rever-te nessa altivez
de milhafre ferido na asa.

Carlos Alberto Gomes Monteiro (Carlos Tê)

sábado, outubro 27

Poesia . 13


Súplica
.
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
.
Miguel Torga

sábado, outubro 6

Poesia . 12


Casa

Tentei fugir da mancha mais escura
que existe no teu corpo, e desisti.
Era pior que a morte o que antevi:
era a dor de ficar sem sepultura.

Bebi entre os teus flancos a loucura
de não poder viver longe de ti:
és a sombra da casa onde nasci,
és a noite que à noite me procura.

Só por dentro de ti há corredores
e em quartos interiores o cheiro a fruta
que veste de frescura a escuridão. . .

Só por dentro de ti rebentam flores.
Só por dentro de ti a noite escuta
o que sem voz me sai do coração.

David Mourão Ferreira

sexta-feira, setembro 28

Poesia . 11



Debaixo dos caracóis dos seus cabelos

Um dia areia branca seus pés irão tocar
E vai molhar seus cabelos a água azul do mar
Janelas e portas vão se abrir prá ver você chegar
E ao se sentir em casa, sorrindo vai chorar

Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história prá contar de um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade de ficar mais um instante

As luzes e o colorido que você vê agora
Nas ruas por onde anda, na casa onde mora
Você olha tudo e nada lhe faz ficar contente
Você só deseja agora, voltar prá sua gente

Você anda pela tarde e o seu olhar tristonho
Deixa sangrar no peito uma saudade um sonho
Um dia vou ver você chegando num sorriso
Pisando a areia branca que é seu paraíso

Cantado por Caetano Veloso

sexta-feira, setembro 14

Poesia . 10


Trovas antigas

O que mais me prende à vida
Não é amor de ninguém.
É que a morte de esquecida
Deixa o mal e leva o bem.

Olha a triste viuvinha
que anda na roca a fiar
É bem feito, é bem feito
que não tem com quem casar

Quem se vai casar ao longe
Ao perto tendo com quem
Alva flor da laranjeira
Não a dará a ninguém

No cimo daquela serra
Está um lenço de mil cores
Está dizendo Viva, Viva
Morra quem não tem amores

José "Zeca" Afonso